Ativistas atentam para o fato de que o projeto vai estabelecer um “estado de vigilância” e que operadoras vão derrubar a neutralidade da rede
Por Marcelo Hailer
Congresso Nacional desde 2011, o Projeto de Lei 2.126/11, mais conhecido como o Marco Civil da Internet, tem gerado polêmica, discordância entre os parlamentares e ativistas e travado a pauta da Câmara desde outubro e, tudo indica que o cenário não vai mudar. Em entrevista nesta edição da revista Fórum, o relator do PL, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), declarou que o projeto ainda corre sério risco de ser “desfigurado” e que o lobby das empresas de telefonia, que são contrárias à neutralidade da rede, impede que ele seja votado.E nesta semana os contrários à neutralidade da rede ganharam um apoio de peso: o líder do PMDB na Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (RJ), declarou durante o carnaval que o seu partido “deveria” deixar a base de apoio ao governo federal e, como moeda de troca, colocou na mesa da negociata o Marco Civil da Internet. Segundo o parlamentar, o projeto não será votado enquanto a neutralidade da rede não for retirada. O que contraria diretamente a orientação da presidenta Dilma Rousseff (PT), que, juntamente com o seu governo, defende a permanência da neutralidade.
Mas, antes de ir adiante é preciso entender o que é a neutralidade da rede, que tem travado a votação do Marco Civil da Internet. Na prática é assim: hoje subimos textos, vídeos, fotos e outros materiais pagando o mesmo preço, mas, se a neutralidade cair, as operadoras poderão cobrar pacotes diferenciados, quer dizer, se você quiser fazer upload de todos os itens citados terá de pagar mais para isso, ou comprar pacotes que permitam subir apenas textos ou vídeo. Entendeu por que tanta sanha das operadoras para derrubar a neutralidade da rede?
Se o embate da neutralidade da rede se dá diretamente com os empresários, outro ponto do Marco Civil da Internet tem causado rusgas entre ativistas e a relatoria do Projeto de Lei: trata-se do artigo 16, que prevê armazenamento por seis meses da navegação dos usuários, mas que só poderá ser averiguado mediante ação judicial, coisa que hoje em dia não é obrigatória, segundo Molon. O relator do projeto ainda garante que o artigo 16 não representa perigo ou vigilância, pelo contrário, vai tornar o ambiente digital mais “seguro do que é hoje”. Alguns ativistas discordam e têm afirmado que o artigo 16 vai instituir um “estado de vigilância completo”. Contra o referido artigo foi lançada a campanha #16IgualNSA (em referência à agência de espionagem denunciada por Edward Snowden, a National Security Agency).
A reportagem conversou com as ativistas Bruna Provazi, da Marcha Mundial das Mulheres, e com Everton Rodrigues, do Coletivo ARRUA, ambos têm acompanhado e participado do processo de construção e mobilização do Marco Civil da Internet. Perguntamos a Provazi e Rodrigues da importância de se aprovar o projeto de lei que visa regulamentar a rede. “Queremos que o Marco Civil garanta a nossa privacidade e nosso anonimato. Hoje em dia a internet é usada também para auxiliar nas perseguições políticas e na criminalização dos movimentos sociais. Precisamos ter nossa privacidade assegurada e ter segurança sobre os dados que trocamos”, declarou Bruna Provazi.
Para Everton Rodrigues, o Marco Civil vai tornar a rede mais justa e o Brasil, mais democrático. “O Marco Civil da Internet original, elaborado de forma coletiva, garante a diversidade de visões sobre o Brasil, garante a transparência de governos municipais, estaduais e federal querendo eles ou não, combate monopólios e coloca pequenas e grandes empresas no mesmo nível de comunicação com a sociedade, amplia as possibilidades de articulação dos coletivos sociais que com isto torna o Brasil mais democrático”, analisa Rodrigues.
Everton Rodrigues também comentou com a reportagem a respeito da dificuldade de se votar o Marco Civil. Para ele, um projeto que foi construído em assembleias participativas assusta os políticos, pois, segundo ele, isso “não é um bom exemplo”. “Para os setores conservadores da política brasileira, aprovar um projeto de lei escrito a partir de debates com a sociedade abre possibilidades para a ampliação desta prática. Os poderosos líderes da política conservadora em hipótese alguma aceitam processos participativos. O fato de se aprovar um projeto elaborado pela própria sociedade, que sempre tende a ser em benefício da sociedade, assusta terrivelmente muitos personagens que representam o pior da política. Para estes, aprovar um projeto com este histórico não é um bom exemplo e pode atrapalhar as velhas práticas do curral político que elabora projetos de interesse social dentro de gabinetes e com portas fechadas”, criticou Rodrigues.
A respeito da neutralidade da rede, ambos concordam que sem ela o Marco Civil não faz sentido. “A neutralidade é um princípio fundamental para garantir que a internet seja de fato um direito de todos. Sem a neutralidade dos pacotes de dados, as operadoras poderão tarifar nossa conexão de maneira diferenciada, ou seja, você só tem grana pra pagar um tipo de plano, só poderá acessar tais conteúdos, que dirá baixar/subir vídeos por exemplo. Isso já acontece de certa maneira com as operadoras de celular que oferecem ‘acesso às redes sociais’. Se podemos acessar as redes sociais, por que não podemos acessar o resto da rede?”, questiona Bruna.
“A internet que conhecemos está totalmente em risco. Ao analisar todo o processo do Marco Civil, desde quando elaboramos de forma coletiva, até agora, concluo que os lobistas serão vitoriosos. Vamos perder porque são poucas pessoas que compreendem este processo. Somente depois que o vigilantismo total for instalado (art. 16), e pessoas forem punidas injustamente, é que o nosso movimento pela internet livre irá crescer. Mas, ai será tarde”, analisa Rodrigues, que está pessimista quanto à aprovação da neutralidade da rede.
Bruna ainda pontua que, se a neutralidade não for garantida, só os detentores do poder é que vão produzir conteúdo. “Apesar de a internet ser um meio de comunicação mais democrático e acessível, na prática, se não garantirmos acesso igual para todas as pessoas, só aquelas que têm maior poder aquisitivo serão produtoras de conteúdo. E é claro que esse acesso mais democrático não diz respeito apenas à neutralidade, mas também a garantir banda larga de graça para toda a população”, critica a ativista da Marcha Mundial das Mulheres.
Criptografia: a nova resistência política?
Desde que as denúncias feita pelo Wikileaks e depois pelo ex-agente da NSA Edward Snowden, a respeito da investigações e vigilâncias de cidadãos do mundo inteiro a partir de dados do Google, Facebook e outras redes utilizadas pelos sujeitos vieram a público, um termo saiu do underground cypherpunk e emergiu entre os usuários da rede: a criptografia. E o que significa isso? A grosso modo, trata-se de uma técnica que embaralha a mensagem quando sai do emissor e a decodifica quando chega a seu receptor. Dessa maneira, dificulta a vigilância de conteúdos alheios por governos e corporações, pois embaralha a mensagem no seu caminho.
Assange, fundador do WikiLeaks é acusado de terrorismo digital pelo governo dos Estados Unidos por divulgar documentos governamentais
Assange, fundador do WikiLeaks é acusado de terrorismo digital pelo governo dos Estados Unidos por divulgar documentos governamentaisn(foto: Wikimedia Commons)
O método da criptografia ficou conhecido com Julian Assange, líder do Wikileaks e que hoje vive recluso na embaixada do Equador, em Londres, que defende a prática da criptografia como resistência às espionagens e que ela deve ser massificada. No Brasil, um dos principais especialistas e defensor da criptografia é o ativista e pesquisador da Universidade Federal do Grande ABC (UFABC) Sérgio Amadeu. O professor trabalha com a tese de que estamos entrando na era da “resistência criptopolítica”.
Para o Amadeu, “a criptografia torna-se instrumento político a ser amplamente incorporado pelos movimentos de resistência ao poder da análise e a biopolítica de modulação executada pelas grandes corporações, de tecnologia e de rede”. O pesquisador ainda pontua que a “criptografia se tornou um instrumento de Direitos Humanos” na defesa da privacidade das pessoas que utilizam a rede.
Quando a venda do Whatsapp ao Facebook, no valor de 12 bilhões de dólares, se tornou pública, cerca de 5 milhões de pessoas migraram para o aplicativo russo Telegram, que é praticamente igual ao seu concorrente, com uma diferença: as mensagens são criptografadas. A partir de então, outros dispositivos encriptados se tornaram conhecidos e a discussão está posta.
Ainda há muita gente que desconfia dos aplicativos criptografados e afirmam que não adianta nada, que os dados dos usuários da rede já são de conhecimento das corporações e dos governos e que estão armazenados. Por outro lado, há quem defenda a debandada para redes que garantam a privacidade e segurança dos usuários. E esta é a grande polêmica em torno do Marco Civil da Internet no Brasil. O artigo 16 fere o direito à liberdade de navegação? Com a existência dele, vamos deixar de postar e ou navegar por certos endereços digitais? Ou, estamos de frente para uma grande encruzilhada que apenas começou e a rede é um grande panóptico vigilante?
Revista Fórum
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