Morte de mulheres por agressão no Brasil não diminuiu depois que a lei entrou em vigor, em 2006. No Sul, Paraná é o estado com a maior taxa de mortalidade
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado ontem mostrou que a Lei Maria da Penha (11.340/06) não diminuiu as taxas de mortalidade de mulheres por agressão no Brasil. O levantamento revela que a proporção de feminicídios por 100 mil mulheres em 2011 (5,43) superou o patamar visto em 2001 (5,41). Entre os estados da Região Sul, o Paraná é o que mais registrou assassinatos de mulheres no período de 2009 a 2011: 6,49 feminicídios por 100 mil mulheres no período. O número é superior à média nacional, que é de 5,82. Os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul registraram índices de, respectivamente, 3,28 e 4,64.
A pesquisa, realizada com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, revela que no período 2009–2011, o Brasil registrou 16.993 mortes de mulheres.
Análise
Sociedade não vê lei como instrumento de prevenção
Para André Giamberardino, do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná, a sociedade ainda não enxerga na lei um instrumento de prevenção à violência contra a mulher. Dessa forma, ele defende que as vítimas de agressão formem uma rede de proteção.
“Trata-se de orientar as mulheres para que conversem com amigos e vizinhos para que eles possam ajudar na segurança dessas vítimas. O poder público poderia fazer campanhas de orientação”, diz.
Partindo de um pensamento parecido, A presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Paraná, Sandra Lia Barwinski, ressalta que é necessário ensinar as mulheres a se defenderem. “Elas não podem esconder de pessoas próximas o que está passando. O vizinho, ao perceber algo de errado, pode acionar a polícia, por exemplo”, afirma.
Segundo ela, ainda persiste no país uma cultura da violência contra a mulher. “As pessoas têm conhecimento da lei, mas muitos não respeitam por questões culturais. Enquanto isso não mudar, a realidade também não mudará”, ressalta.
Causas
Desinformação e impunidade explicam resultado do estudo
O preconceito sofrido pelas mulheres na sociedade, a ausência de dados sobre o conhecimento da população a respeito das leis, a insuficiência da aplicação das medidas previstas pela legislação e a impunidade são as principais possibilidades abordadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) em relação à ausência de impactos significativos da Lei Maria da Penha sobre homicídios cometidos contra mulheres no país.
Uma das possibilidades abordadas pelo Ipea é a de que o grau de implantação das medidas previstas pela lei foi insuficiente – tanto pela deficiência do sistema quanto pela qualidade do serviço prestado. Entre as medidas previstas na legislação estão a proteção de urgência, a suspensão da posse ou a restrição de porte de arma, o afastamento do lar e a proibição de aproximação da vítima. Está previsto ainda o encaminhamento da mulher a programas de proteção e a recondução ao lar depois do afastamento do agressor.
Feminicídio é a expressão que define o homicídio de mulheres em decorrência de conflitos de gênero. Eles geralmente são cometidos por um homem, parceiro atual ou ex-parceiro da vítima. No Brasil, esse tipo de crime geralmente costuma implicar situações de abuso, ameaças diversas, intimidação e incluem também violência sexual. O termo, porém, não está previsto no Código Penal.
As unidades da federação com as maiores taxas foram: Espírito Santo (11,24), Bahia (9,08), Alagoas (8,84), Roraima (8,51) e Pernambuco (7,81). Em contrapartida, as taxas mais baixas foram observadas nos estados do Piauí (2,71), Santa Catarina (3,28) e São Paulo (3,74).
A pesquisa do Ipea questiona o impacto da Lei Maria da Penha, em vigor há sete anos no Brasil. O estudo é taxativo ao concluir que, após a legislação, não houve redução das taxas anuais de mortalidade. Ao comparar os períodos anterior e posterior em relação à vigência da lei, percebe-se que os dados mantiveram-se praticamente estáveis.
Antes da promulgação da Maria da Penha, as taxas de mortalidade por 100 mil mulheres foram 5,28 no período 2001 a 2006. Já entre 2007 a 2008 (depois da lei) a taxa ficou em 5,22. Ocorreu uma leve queda imediatamente após a vigência da lei, quando o índice ficou em 4,74. No entanto, nos anos seguintes, a mortalidade de mulheres voltou a subir.
Falta de estrutura
A presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Paraná, Sandra Lia Barwinski, explica que logo após a promulgação da Maria da Penha houve um receio de que haveria punições mais rigorosas aos agressores. Por isso, houve uma queda no índice de criminalidade contra a mulher.
Porém, segundo ela, a falta de estrutura da própria polícia e do poder Judiciário explica a retomada dos índices elevados de mortalidade das mulheres. “Não adianta ter um instrumento de lei eficaz se não há serviço suficiente para fazer a lei ser cumprida. A demanda é muito superior à estrutura. Dessa forma, não se consegue dar efetividade à legislação”, ressalta.
Jovens e negras são as principais vítimas
A pesquisa mostra que as mulheres jovens foram as principais vítimas da violência no período de 2009-2001. Mais da metade dos óbitos (54%) foram de mulheres entre 20 e 39 anos, 61% delas negras. A maior parte das vítimas tinha baixa escolaridade, e 48% das que tinham acima de 15 anos de idade possuíam no máximo oito anos de estudo.
Outra dado do estudo é que 50% dos feminicídios no país envolveram o uso de armas de fogo e 34% de instrumento perfurante, como facas. Os fins de semana registraram 36% das ocorrências. Os domingos concentraram 19% das mortes.
A pesquisa conclui que há “necessidade de reforço às ações previstas na Lei Maria da Penha, bem como a adoção de outras medidas voltadas ao enfrentamento à violência contra a mulher, à efetiva proteção das vítimas e à redução das desigualdades de gênero no Brasil”.
http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1411726&tit=Lei-Maria-da-Penha-da-sinal-de-fraqueza
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