quarta-feira, 2 de outubro de 2013
Nem Mata Hari, nem Sidney Reilly: Barack Obama
As práticas ilegais, por parte do governo Barack Obama, de interceptação de comunicações e dados de cidadãos, empresas e membros do governo brasileiro, incluindo a presidente Dilma, nem de longe se assemelham às ações da femme fatale Mata Hari, a famosa dançarina holandesa executada em 1917 por espionagem a favor dos alemães durante a Primeira Guerra Mundial. A espionagem hoje em dia também não tem mais o charme de Sidney Reilly, o “Ace of Spies” cujos difarces permitiram-lhe trabalhar para vários lados, no inicio do século 20, e cujas características serviram de inspiração para a criação do famoso personagem James Bond.
Sem nenhum glamour, a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA), vinculada ao Departamento de Estado, desenvolveu um amplo programa de monitoramento via telefone e internet que lhe permite acessar dados de cidadãos do mundo todo. O que tal programa realiza, em verdade, é a violação gravíssima dos direitos individuais de liberdade, privacidade e intimidade, além de desrespeito aos princípios de igualdade soberana dos Estados, não intervenção em assuntos internos e autodeterminação. Contraditoriamente, tais atos foram praticados justamente pelo governo do país que propôs que “a diplomacia deveria atuar sempre francamente e à luz do público”, nos termos do célebre discurso do presidente Woodrow Wilson condenando a diplomacia secreta amplamente praticada nas vésperas da Primeira Guerra.
O fato chamou a atenção da comunidade internacional e nacional para a necessidade de uma regulamentação internacional das comunicações, garantindo segurança aos usuários dos mais diversos meios de comunicação, cada vez mais avançados em função do progresso tecnológico.
No plano internacional, normas internacionais e órgãos de controle são necessários, seja através da criação de uma instituição, seja através da utilização de estruturas já existentes, como a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), ou a União Internacional das Telecomunicações (UIT), ambas vinculadas à ONU. O que não pode ocorrer é a continuidade do vazio normativo e institucional, sempre ocupado pelo mais forte quando se trata de relações internacionais. E o mais forte, nesse caso, é o país mais desenvolvido no plano científico e tecnológico.
Para realizar a espionagem, a NSA usou empresas e provedores norte-americanos que repassaram os dados ao governo. Isso porque a grande maioria das comunicações em todo o mundo passa por essa infraestrutura dos EUA, não sendo diferente em relação à comunicação dos brasileiros.
No plano do direito interno, portanto, há de se resgatar a autonomia brasileira em relação às comunicações. É preciso fundar um novo ponto de partida normativo, resgatar ações de inteligência e realizar obras de infraestrutura. O incidente recolocou na agenda brasileira antigos projetos, como a criação de meios de tráfego de dados que não circulem pelo território norte-americano, através do uso da fibra ótica via cabos submarinos, por exemplo.
“Retaliações” aos EUA seriam uma boa estratégia para o governo brasileiro, com uma roupagem mais diplomática, é claro. Acerta a presidente Dilma ao adiar sua visita a Barack Obama e ao mencionar o tema na abertura dos trabalhos da Assembleia Geral da ONU. Sobre a compra dos caças, o Brasil deveria desistir dos norte-americanos e investir nos franceses. Ou nos russos – e assim dar um final nada hollywoodiano ao caso.
Tatyana Scheila Friedrich, doutora em Direito, é professora de Direito Internacional Privado da UFPR.
http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1412093&tit=Nem-Mata-Hari-nem-Sidney-Reilly-Barack
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