terça-feira, 24 de junho de 2014

A incrível pirâmide flutuante do "Fantástico" (e outras bobagens)



Por Carlos Cardoso
O Fantástico prestou (mais um) enorme desserviço à população. Em uma matéria que envergonharia o History Channel apresentaram uma “comunidade esotérica” na Serra do Roncador famosa por suas sessões de cura.

Controlada por uma cidadã que atende pelo incrivelmente humilde título de “Deusinha”, o grupo pratica a nobre arte de separar otários de seu dinheiro, vendendo promessas vazias de curas milagrosas, via pacotes de R$ 700,00 que envolvem as clássicas “cirurgias espirituais”. Você sabe, aquele truque barato de mágica onde um prestidigitador finge que está enfiando a mão dentro do sujeito e tirando o câncer, a diabetes e em alguns casos a… a Aorta.

Os picaretas do Fantástico (sorry, não merecem ser chamados de Jornalistas) perguntaram aos místicos se poderiam recolher amostras dos tecidos e sangue removidos dos pacientes miraculosamente curados. A resposta?

“Nós do grupo entendemos que fazer a biopsia seria pedir uma comprovação daquilo que o mestre está mostrando para nós. Hoje nós não estamos liberando, te dando o material para você levar para biopsia em função disso. Porque nós entendemos que é um respeito e um amor pela atitude do mestre.”
Exato. Fazer a biópsia seria pedir uma comprovação. Isso se chama CIÊNCIA.

Não satisfeito o Fantástico achou uma das fiéis do tal grupo que por acaso é médica. Geriatra. Vejam o diálogo:

Fantástico: “E você está certa de que era carne aquilo e de que era sangue?”
Elisabeth Teixeira: “Sim, sim.”

Fantástico: “O que a senhora viu é realmente sangue? É secreção humana?”
Fernanda Campos, médica cirurgiã: “É sangue, é secreção humana, e é tecido realmente do fígado, se operar o fígado, é tecido hepático, é tecido pancreático, é tecido gástrico. Depende onde o mestre vai fazer a vibração de cura.”
Ou seja: ela é capaz de identificar fragmentos de tecido de diversos órgãos e determinar se uma secreção é humana ou animal apenas olhando. Essa mulher merece um Nobel da Medicina. Ou uma comissão de ética do Conselho.

O tal grupo do Santuário Místico do Roncador diz seguir uns tais Mestres Intraterrenos, que moram nos subterrâneos e/ou além de um portal interdimensional que existe dentro de uma caverna. A tal “Deusinha” é a única que escuta os tais Mestres, através do ouvido surdo.

A chamada da Globo foi de uma má-fé atroz, é impossível que tanto desconhecimento científico exista, e a própria matéria contradiz a chamada:

Elas flutuam? Com certeza, não é truque, os curandeiros deixam os jornaleiros passarem uma corda em volta para demonstrar como não há nada físico entre as pirâmides de alumínio de 400 kg e as 4 bases. Para os desenganados que jogam dinheiro fora financiando essa gente parece realmente impressionante. Se esses desenganados quiserem muito acreditar, num nível Fox Mulder sobre aliens ou eu que a Luciana Vendramini vai me ligar desejando feliz aniversário, claro.

Em um raro momento de lucidez o jornaleiro da Globo desvenda o truque, mas nem percebe, quando diz:

“A pirâmide parece realmente estar solta, suspensa por um campo magnético.”
Sim, seu fugitivo da escola primária que passou a infância soltando pipa no ventilador. QUALQUER CRIANÇA que já desmontou um alto-falante para brincar com imãs sabe disso. É o truque mais velho do mundo. É ciência básica, magnetismo descrito por Tales de Mileto em 600 AC. PIOR, enquanto em 2014 você se DESLUMBRA com um brinquedo de criança, em 600 AC um GÊNIO indiano chamado Sushruta Samhita não só entendia imãs como os usava como ferramenta. Ele era médico e removia farpas e estilhaços de metal de seus pacientes. Com imãs. Entendeu o PORQUÊ de a Índia ter um programa espacial de verdade?

As tais pirâmides (note que estou abusando do pejorativo “tal”) estão contidas por barras de ferro, para que não sejam repelidas lateralmente, como todo mundo que brincou com imãs (você não, jornaleiro da Globo) sabe. Eles até removem as barras e demonstram a pirâmide sair de alinhamento e cair.

A bobagem, claro, é a cura de todos os males:

Dalvan David Luvison: “Ela faz a cura em qualquer tipo de doença.”
Fantástico: “Qualquer tipo de doença?”
Dalvan David Luvison: “Qualquer tipo.”
Fantástico: “Mesmo doenças graves?”
Dalvan David Luvison: “Sim. Doenças médias, leves e graves. Não em um estado muito adiantado, que não tem mais condições, mas qualquer tipo de doença. Porque essas ondas tem todos os comprimentos, frequências e amplitudes de ondas. Então é tipo uma radioterapia natural da Terra.”
Se a tal pirâmide gera ondas eletromagnéticas com todos os “todos os comprimentos, frequências e amplitudes de ondas” então ela tem energia infinita. Podiam vender pro Al Gore. E ganhar um Nobel por desmentir todo o conhecimento de Física contemporâneo.

Um físico foi aporrinhado pelo Fantástico, e obviamente em 5 s deduziu o funcionamento do brinquedo, fez até um modelo em laboratório demonstrando a tal pirâmide flutuante, que o Fantástico INSISTE em tratar como mistério. Geraldo Magela, o cientista em questão teve sua fala editada e quando ele diz que a tal pirâmide NÃO está sob efeito de um campo magnético natural fica parecendo que ele defende a picaretagem.

O que ele quis dizer é que se fosse o campo magnético da Terra todo mundo estaria levitando, pois um campo forte assim agindo universalmente afetaria todo tipo de molécula diamagnética, como a água em nossos corpos. Tipo isto: um sapo flutuando em um campo magnético.

A “reportagem” chega ao cúmulo de dizer:

“Para o professor, trata-se de um truque.”
Não só pra eles, Fantástico. Pra qualquer um com mais de dois neurônios e/ou uma infância decente.

Ao deixar na dúvida a ciência e não questionar os esquemas de cura e as pirâmides mágicas o Fantástico praticamente assinou embaixo do esquema todo. O número de visitantes aumentará imensamente. Textos como este serão raros e considerados chatos, obra de gente que não aceita que exista “algo mais”, mesmo que não aceitar o algo mais signifique não acreditar em truques de salão.

O Fantástico, ou por má-fé ou ignorância ou os dois se deslumbrou com truques de aula de ciência de escola pública, e nem é da Escola Municipal Tancredo Neves, onde para desespero das pedagogas paulofreirianas em vez de aprender a odiar o capitalismo e denunciar a exploração do homem pelo homem, os alunos estão criando um microssatélite, com direito a apoio da NASA.

Não é magia, Fantástico, é Ciência, e é capaz de produzir demonstrações muito mais impressionantes do que os picaretas que vocês tanto gostam.

Tentando um fiapo de jornalismo o Fantástico perguntou aos místicos se podiam levar um cientista para examinar as pirâmides. A resposta:

“O Santuário respeita a ciência, mas que as informações em torno das pirâmides são mais complexas do que lhes é permitido revelar, por respeito à hierarquia dos Seres de Luz, ou seja, dos mestres do mundo intraterreno.”
A reportagem terminou com uma nota de esperança. Ao menos UM dos envolvidos nessa pataquada respeita a Ciência.

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