Esse texto me chegou hoje. O que diz é necessário e claro, sobre a inconsciência conivente da grande maioria das pessoas, hipnotizadas pelo massacre midiático, pelas imposições dos "mercados" de trabalho e de consumo - na verdade fachadas criadas por mega empresários e seus publicitários e marqueteiros, pelo estilo de vida criado, alimentado e usufruído por eles mesmos, infiltrados nos poderes públicos, imunes a reais mudanças na estrutura social. É um "sacode" pra muita gente que se pensa relativamente consciente. Canso de ver ativistas usando roupas de marca - assim o trabalho não é completo. Não se pode mudar o mundo sem mudar a si mesmo, sem tomar nas mãos os próprios valores, os próprios objetivos, sem olhar a sociedade em volta com os próprios olhos, sentindo a realidade com o próprio coração. Parece simples, mas é mais difícil do que parece. O texto tá repleto de referências, sugiro examinar todas elas.
Estima-se em oito mil as oficinas de costura em São Paulo, com 100 mil escravizados, a esmagadora maioria latinoamericanos, a serviço das marcas que se usa por aí. Veja um caso em http://br.noticias.yahoo.com/blogs/3-por-4/boliviana-que-falou-163058884.html
Foi enviado pra mim por José Rosa, amigo da Bahia. Valeu, Zé.
Abraços a todos.
Quantos escravos trabalham pra você?
01.04.2013
Anna Haddad
E se eu dissesse que um menino doce e inteligente de 12 anos, recém chegado da Bolívia, mora em uma casa de apenas 90m² no centro de São Paulo com mais 27 pessoas, entre parentes e desconhecidos? Que essa casa velha e úmida mal comporta todas as beliches cobertas com roupas de cama maltrapilhas, porque tem que ceder espaço para colunas babilônicas de tecidos e máquinas de costura?
E se eu dissesse que esses 28 trabalham cerca de 13 horas quase ininterruptas por dia, no mesmo lugar em que moram e comem e vão ao banheiro e dormem e acordam e começam tudo outra vez, por R$350,00 mensais?
E se eu dissesse ainda que todos os 28, por não terem como pagar pela casa velha e pela comida úmida, contraem dívidas absurdas e infindáveis com o indivíduo que os contratou, e, por isso, tem seus passaportes e pertences apreendidos até que o pagamento venha?
E se eu dissesse que quem financia isso tudo é você?
Link Youtube | De onde vem esse seu macacão estiloso, brother?
Em pleno século 21, enquanto alguns falam de Google Glass e discutem as questões éticas daclonagem terapêutica, os 28 costuram sem parar em instalações insalubres por 4 reais a peça.
Essa mesma jaqueta que você comprou por 150 reais ontem na liquidação de verão e correu para chegar em casa, vestir e mostrar para o namorado. Essa jaqueta que você estava procurando, deu a sorte de encontrar e que te caiu como uma luva.
Em pleno século 21, aqui, no Brasil, o trabalho escravo não está só na manufatura têxtil. Esse é só o exemplo mais próximo de mim. O trabalho escravo está em todo o país, muito provavelmente na sua cidade, no seu bairro. Nos diversos fornecedores da indústria têxtil, na pecuária, na agricultura, na indústria madeireira, na construção civil, nas carvoarias.
Mas, calma. Você não tem nada a ver com isso.
Porque você não sabe, certo? Você não sabia de nada disso. Ou ainda que soubesse, entende que não há o que possa fazer. Claro. Porque você não é o dono da GAP, Cori, da Luigi Bertolli, Emme, Collins, Gregory (…) E não é você quem contrata essas pessoas e as submete a essas condições de trabalho horríveis. E se não for lá, onde é que você vai comprar as suas roupas, não é mesmo?
E de que adianta você parar de comprar essas pechinchas incríveis que encontra nas ruas do centro, nas Lojas Marisa, Pernambucanas, C&A, se todo mundo continua comprando? Que diferença vai fazer, não é? Além do mais, aquela bota tinha um ótimo preço, e não te interessa, na verdade, de onde é que ela veio e o que é que foi preciso ser feito para que ela estivesse aí, bonita e confortável no seu pé, certo?
Alguém foi mal pago para a sua camiseta custar quinze reais na 25 de Março
O bom é que agora você sabe. Vai dormir e acordar sabendo. Vai ter de admitir que sabe, e encarar cada escolha. Sabendo. Que quatro ônibus com 235 trabalhadores em situação análoga a de escravos foram apreendidos pela Polícia Rodoviária Federal do Piauí. Que imigrantes de 12 anos de idade trabalham 16 horas por dia para fazer a sua camiseta descolada de gola V da Zara. Que é você quem financia cada uma das 28 máquinas de costura.
Não precisa ser um fashionista pródigo. Muito pelo contrário. Você, que não se importa muito com o que veste, e só quando precisa recorre a alguma loja de departamento para comprar uma polo descolada a um bom preço. Você, sempre antenado nas últimas tendências ditadas pelo mundo da moda. E você, que vira e mexe vai até o centro de São Paulo atrás daquelas pechinchas no atacado. Que pega carona com a mãe até a Pernambucanas que é para ver se sai de lá com uma bermuda ou 2 camisetas básicas. Não é fácil lavar as mãos.
Se você não sabe de onde é quem vem, muito provavelmente, financia o trabalho escravo.
São dois os fatores escancarados e objetivos que mantém o trabalho escravo no país. O motor econômico (que alimenta empregadores inescrupulosos e faz com que você vá até o centro da cidade, compre aquela camiseta bacana por vintão e saia se achando esperto), e a impunidade de crimes contra os direitos humanos.
Mas há um terceiro, que penso ser o mais importante guarda-chuva dos maiores problemas da humanidade. A desconexão.
Pessoas submetem pessoas à condições de escravidão porque, como você e eu, acham que não tem nada a ver com isso.
Link Vídeo | Daniel Goleman fala da sua desconexão
Sobre esse processo de “desligamento empático”, não tem como não transcrever um trecho da fala do Daniel Goleman no TED Lateral Thinking, em 2007:
“Os objetos que compramos e usamos têm consequências ocultas. Somos todos vítimas passivas do nosso ponto cego coletivo. Nós não notamos. E não notamos que não notamos. Somos indiferentes às consequências ecológicas, de saúde pública, sociais e econômicas das coisas que compramos e usamos. De certa forma, a própria sala é o elefante branco na sala, e nós não vemos. E nos tornamos vítimas de um sistema que nos aponta para o outro lado.”
O assunto daria milhares de outros textos.
Hoje, eu só vim aqui para te fazer notar que você não nota.
Que existe trabalho escravo. Aos montes. Agora. Não há 150 anos atrás, em período escravocrata.Aqui, no Brasil, não em Zimbábue. Em Goiás, Minas, Santa Catarina. No Brás, em São Paulo – não só naquela fazenda escondida no sul do Pará.
Hoje, eu vim aqui para dizer que você tem tudo a ver com isso.
E aí? Quantos escravos trabalham para você?
Anna Haddad é advogada faz-tudo. Inventa, planeja, provoca e escreve. Entrou em crise com o mundo dos diplomas e fundou a plataforma de crowdlearning Cinese. Acredita em Deus, no Mário Quintana, no poder de articulação das pessoas e em uma educação livre e desestruturada. Tá por aí, mais nas ruas do que nas redes.
http://br.noticias.yahoo.com/blogs/3-por-4/boliviana-que-falou-163058884.html