domingo, 3 de fevereiro de 2013

Somos a sociedade que condena as coisas e a Invisibilidade


Somos a sociedade que condena as coisas e a Invisibilidade

Eu gosto de ler e tenho certeza que você que esta lendo este texto também deve gostar. Algumas vezes começamos a ler algumas histórias e durante a leitura vamos criando uma expectativa que nem sempre no final do texto se confirma. E algumas vezes começamos a ler o texto sem muitas pretensões e somos surpreendidos com uma daquelas histórias que fazem sua alma chorar e te levam a uma profunda reflexão.

Por Adalberto Nascimento

Sem mentiras, isso aconteceu comigo. Faz pouco mais de 1 ano, mas resolvi compartilhar com vocês.
Estava no ABC Paulista visitando uns tios e queria ir para o centro de São Paulo. Meio sem grana, não peguei o ônibus até o trem porque estava com o dinheiro contado. Era uma caminhada de de uns 30 minutos.

A certa altura do caminho, um senhor, que visivelmente não tomava banho fazia um tempinho, com a barba grande, roupas um pouco rasgadas, com um saco de estopa nas costas, com um leve cheiro de álcool me parou e pediu dinheiro.
Primeiro, aprendi a nunca dar dinheiro assim, na rua, nem quando batem no portão de casa, meus pais me ensinaram que você só teria certeza da sua boa ação até o momento de deixar o dinheiro na mão de quem está pedindo. Minha mãe sempre me ensinou, ao invés, a nunca negar comida.
Outra coisa que aprendi ao longo da minha curta vida até agora é que nada somos sozinhos e a ajuda já chegou a mim de lugares improváveis, então não custa demostrar gratidão sendo você mesmo um bem feitor.
Aquele senhor tinha um olhar triste e fui atencioso e perguntei se ele estava com fome, que não daria dinheiro mas poderia comprar algo.

Para minha surpresa ele falou que não queria comida, queria beber. Perguntei se ele tinha certeza se não queria algo, estávamos próximos a uma padaria, ofereci salgado, café. Mesmo assim aquele senhor recusou. Então falei que não poderia ajudar, desejei boa tarde e comecei a andar.

Poucos passos depois ele fala comigo novamente: "Sabe rapaz, você lembra meu filho".
Nessa eu já estava parado olhando para ele e não sabia o que dizer. Então ele perguntou se ele poderia me acompanhar. Tentando dar uma desculpa disse que estava indo para a estação de trens (sentido contrário ao qual ele estava) e ele disse que não tinha problema. Falei que tudo bem e começamos a andar.

Ele mancava um pouco então reduzi o passo, o que é difícil pra mim, ando super rápido, mais difícil ainda porque queria, confesso, terminar aquilo.
Mas acabei me deixar levar para a conversa. Ele começou a falar da família dele, de como ele parou na rua, de como perdeu um filho num acidente e a esposa pela tristeza, de como começou a beber, de como o outro filho resolveu esquecer que ele existia. De como era difícil se ver sem ninguém,  se tornar aquilo que você tinha asco e chegar ao ponto surpreendente de se conformar em ser invisível.

"Não sou ladrão nem bandido, mas quando as pessoas não passam direto elas fazem questão de passar longe. É estranho isso. Eu fazia isso".
A passos lentos, deu para ouvir as infelicidades que aquele homem teve, e ter noção do quanto mais ele iria passar. Quando chegamos na estação, estava comovido, não sabia o que dizer, nem como confortá-lo (se é que havia como). Ele quebrou o silêncio.

"Obrigado, rapaz,  fazia muito tempo que não conversava com alguém que não fosse bêbado. Você fez lembrar do meu filho que morreu, e já fazia tempo que eu não lembrava mais de como era o rosto dele". Disse que não precisava agradecer. "Precisa sim, é bom ser enxergado".

Sou o maior manteiga derretida da face da Terra, quem me conhece sabe disso, e estava querendo chorar já. Então ele falou mais uma vez. "Posso pedir mais uma coisa, se não quiser, tudo bem". Assenti com a cabeça porque sabia que minha voz não ia sair direito.
"Meu filho partiu sem eu ter dado um abraço nele...sei que você não é ele, mas posso te abraçar?"

Nessa hora esqueci que ele era morador de rua, esqueci o mal cheiro, esqueci a má aparência daquele senhor, esqueci que havia dezenas e dezenas de pessoas na rua que olhariam para onde eu estava. Quando percebi, estava abraçando aquele estranho.

Somos a espécie, dita dominante. A espécie inteligente, como costumamos e gostamos de nos proclamar. Mas também somos a espécie destrutiva. A espécie que esquece o seu lugar e acha que pode tudo. Somos a espécie que é predadora de nós mesmos. Somos a espécie que vive em sociedade e preza por ela, mas só quando nos favorece. Cortamos os galhos que não gostamos. Esquecemos de nós mesmos, esquecemos do nosso vizinho, esquecemos de quem é próximo. Aprendemos a não enxergar os problemas a nossa volta. 

Aprendemos a condenar coisas, situações, problemas e pessoas a invisibilidade. Está certo isso? Não estou dizendo para sair oferecendo abraços a moradores de ruas. Estou dizendo para enxergarmos mais. Sermos, de fato, mais humanos.
No fim das contas o que me deixou ainda mais pensativo naquele dia, não foi tão somente a história daquele homem, nem o pedido, nem o abraço em si. Foi o que ele me disse antes de soltar o abraço e sair andando e me deixar parado de frente para a estação.
"Obrigado meu filho, hoje eu não vou beber"

Gostei muito dessa história... É realmente para refletirmos e muito...

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