No capitalismo faminto por consumo não há ocupação que expresse melhor as contradições do sistema que a de gari. Afinal, são os trabalhadores desse setor que precisam conviver por um lado com os excessos consumistas que a sociedade capitalista impõe em todo o planeta e, por outro, com a invisibilidade social que cerca a sua labuta diária. A questão da invisibilidade social dos garis já mereceu uma excelente acadêmica na forma de uma dissertação de mestrado pelo psicólogo Fernando Braga da Costa (Aqui!). No entanto, o avanço de um modelo social liberal que impõe o consumo como a expressão de aumento de cidadania torna essa situação ainda mais candente no Brasil.
O pior é que, apesar das jornadas intensas e das condições de profunda insegurança e insalubridade, a profissão de gari continua sendo tratada como se os trabalhadores desse setor não precisam salários dignos e melhor qualidade de vida. Essa forma de tratar os garis não está apenas presente na forma com que os governantes insistem em não oferecer salários dignos para os garis. Eu diria que o destrato a uma categoria tão essencial na cidade capitalista é um elemento presente em amplas camadas da população e, por mais contraditório que possa parecer, nos ricos que são justamente aqueles que mais produzem restos que precisam ser recolhidos pelos garis.
Em face dessa análise é que vejo a situação da greve dos garis da cidade do Rio de Janeiro como uma síntese de todas as contradições que são geradas por um sistema social que depende diretamente do consumo e da geração de dejetos para sua sustentação. Em meio à folia carnavalesco, o que sobressai é a quantidade de lixo que fica espalhada pelas ruas, fruto de uma forma perdulária de se relacionar com o urbano. Assim, creio que acima de tudo essa greve serve para desvelar os limites de uma forma de viver que tem na geração do lixo a sua expressão mais elevada.
Finalmente, não é nenhuma surpresa a resposta truculenta da prefeitura do Rio de Janeiro e da maioria da mídia corporativa a um movimento de trabalhadores que poderia ter sido facilmente evitado se os garis não fossem tratados como trabalhadores de segunda categoria. Além disso, a demissão sumária de pelo menos 300 garis é apenas uma daquelas demonstrações que o prefeito Eduardo Paes não possui um mínimo de compromisso com a construção de uma cidade mais justa e integrada. Mas também aqui não há nenhuma surpresa, pois todas as evidências apontam no sentido de que a gestão de Eduardo Paes passará para a história da cidade do Rio de Janeiro como uma das que mais contribuíram para aprofundar as gritantes diferenças sociais que existem na sociedade carioca. Neste caso, a greve dos garis está nos ajudando a impedir que Eduardo Paes empurre mais esse lixo para debaixo do tapete.
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