Rôney Rodrigues
Nunca, em uma partida de futebol, a expressão “vida ou morte” foi tão levada a sério. O contexto histórico não era para menos. A coisa toda começou em 1941, quando a Alemanha nazista invadiu Kiev, capital da Ucrânia, trazendo centenas de prisioneiros de guerra. Entre eles, estava um tal de Nikolai Trusevich, que anos antes havia sido o badalado goleiro do Dínamo, um dos principais clubes soviéticos.
Josef Kordik, um padeiro alemão – que, por sua descendência, era tratado de maneira “mais suave” pelos nazistas – e torcedor fanático do Dínamo, caminhava distraído pela rua quando encontrou… adivinha quem? Sim, o goleiro Trusevich.
O padeiro o acolheu em sua casa, burlando a vigilância alemã e, de quebra, deu uma ideia para o goleirão: encontrar os outros jogadores do Dínamo. Em poucas semanas, a padaria já escondia, entre seus empregados, a equipe completa.
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Volta aos campos
O passo seguinte era evidente: jogar bola. Como estava proibido ao Dínamo atuar em qualquer jogo, batizaram o “novo” clube de FC Start. Começaram desafiando seleções formadas pelo III Reich como uma “desforra” pelas atrocidades praticadas pelo Exército de Hitler.
Na primeira partida, realizada em 1942, venceram por 7 a 2. Depois veio uma guarnição húngara: emplacaram 6 a 2. Depois, mais 11 gols contra uma equipe romena. A coisa foi ficando séria e já chamava a atenção dos alemães, que novamente os desafiaram e, também novamente, foram goleados por 6 a 2. Trouxeram da Hungria outra equipe para pará-los: nova goleada por 5 a 1. Pediram revanche e perderam de 3 a 2.
Com apenas uma bola, os caras ameaçavam toda a meticulosa propaganda de Hitler de superioridade da raça ariana. E isso, claro, não poderia ficar barato. Os nazistas formaram uma equipe com jogadores da Luftwaffe, o Flakelf, um grande time da época. A missão: a qualquer custo – e isso incluía violência futebolística generalizada – deveriam vencer. Só esqueceram de avisar isso para o Start, que novamente venceu, por 5 a 1.
É vida ou morte
Essa humilhação sofrida pela raça ariana não poderia ficar barato e o alto comando nazista deu ordens para fuzilar o time todo. Mas os oficiais locais queriam, antes, vencer o Star. Precisavam desmoralizá-los, primeiramente, diante do povo ucraniano, para, aí sim, matá-los.
A revanche foi marcada. O estádio de Zenit estava lotado. Um oficial da SS advertiu aos jogadores ucranianos que, em campo, saudassem o Führer, com o clássico braço esticado. Os jogadores do Start levantaram o braço diante do estádio, porém no momento da saudação, levaram a mão ao peito e gritaram “Fizculthura!” (expressão que proclama a cultura física), ao invés do obrigatório “Heil Hitler!”.
No segundo tempo, nova visita ao vestiário. Só que agora com armas! E ordens bem claras: se vencerem, ninguém vivo. Os jogadores até se propuseram a não voltar para o segundo tempo, mas pensaram em suas famílias, nos crimes cometidos pelos nazistas e nas pessoas que torciam nas arquibancadas.
Voltaram e deram um baile nos rivais. Quando já ganhavam por 5 a 3, o atacante Klimenko ficou cara a cara com o goleiro alemão, driblou-o e, debaixo das traves, debochadamente voltou e chutou a bola para o centro do campo. O estádio veio abaixo.
Revanche sangrenta
Os nazistas deixaram que o Star saísse do campo como se nada tivesse ocorrido, mas a vingança não tardou. A Gestapo visitou a padaria e dizimou a equipe. Somente Goncharenko e Sviridovsky, que não estavam na padaria naquele dia, sobreviveram. Aquela fatídica partida ficou conhecida, mundialmente, como o “Jogo da Morte”.
Ainda hoje, no estádio Zenit, uma placa homenageia: “aos jogadores que morreram com a cabeça levantada ante o invasor nazista”.
Fotos: Duke.edu
Fontes: UOL, Ukemonde, The Guardian
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