POR LEONARDO SOARES DOS SANTOS
Tentem imaginar a cena.
Num certo país ao norte da América do Sul, um dos governos mais autoritários, totalitários, comunistas e chavistas do mundo (sim, a imprensa, na hora de elaborar conceitos, só perde para a filósofa Valeska Popozuda), manda enviar tropas federais para conter uma onda de protestos sangrentos, violentos e de contornos fascistas por parte do segmento mais conservador da sociedade, a classe média e a elite econômica – bastante insatisfeitas com a aproximação das classes “mais baixas” na estrutura social, como decorrência das políticas sociais implementadas ainda ao tempo de Chávez, e que de fato foram uma das mais bem sucedidas do mundo, mas, claro, vistas como a manifestação de um satânico projeto de implantação do comunismo bolivariano.
Tais segmentos fascistas querem fazer a roda do tempo girar para trás de novo. Ver o populacho regredir, parar de falar de política e de fazê-la acontecer em favor de seus interesses. Que o povinho preto, pobre, favelado e mulambento volte a ser submisso; que volte a ter consciência do seu lugar (bem subalterno) e se comporte como tal.
Para impedir que a vaga fascista de extrema-direita viceje, o governo de Maduro fez cumprir as prerrogativas que a Carta Constitucional lhe confere. Botou as tropas nas ruas para conter o terrorismo dessa direita.
Mas mal as tropas pisaram o solo das cidades aterrorizadas pela sanha extremista da “oposição” fascista, o pasquim global do golpismo iniciou uma virulenta ofensiva midiática de contra-informação, proclamando para os quatro ventos que se tratava de mais uma demonstração de autoritarismo de um dos governos mais ditatoriais da história recente da América Latina. (Seria cômico, se não fosse trágico, se isso não ocorresse ao mesmo tempo em que aqui se comemoram os 50 anos do Golpe Militar de 1964 – o qual contou com extremada simpatia e apoio do pasquim global.)
O envio de tropas é mais um claro indício do desprezo que o governo Maduro demonstra pelos “verdadeiros valores democráticos”, a sua recusa em aceitar conviver e respeitar quem lhe faz “oposição”, o seu ódio pela pluralidade de idéias e opiniões – mais uma vez, o cinismo aqui dá o tom, ainda mais vindo de um veículo comprometido com a defesa radical do monopólio das telecomunicações e do uso aberrante da máquina judiciária contra os seus concorrentes e opositores.
Bom, estando certo ou errado, essa é a opinião do pasquim e a forma que ele encontrou para enaltecer os símbolos dessa nossa conhecida de nome Democracia.
Mas muito pior do que estar errado, o pasquim se mostra um incurável órgão golpista esquizofrênico.
A mesma iniciativa que na Venezuela é vista como um golpe contra a cidadania e os valores democráticos, é tida e havida na mais nova ocupação militar das favelas do Rio como expressão do mais desbragado comprometimento com a ... cidadania e os valores democráticos.
As forças armadas ocupam novamente algumas das favelas cariocas, com armas em punho, com escopetas apontadas indiscriminadamente para as cabeças dos seus moradores. Mais uma vez se consagra a idéia de que os moradores pretos e favelados devem ser alvos ou de políticas públicas pobres (e de quinta categoria, posto que voltada para cidadãos de segunda classe) ou de repressão armada direta. Pois só assim para esse povinho se colocar no seu lugar. É essa a política que resolve a situação desse tipo de raça.
E escola? Cadê hospital, posto de saúde, coleta de lixo, esgoto, água potável, banco, correios, segurança, teatro, cinema, biblioteca? Cadê a cidadania? Cadê a Justiça? Cadê a Liberdade? Cadê o Estado de Direito? Cadê os direitos? Cadê Amarildo?
Mas vocês só podem estar brincando? – assim indagaria o pasquim da Família (da Zona Sul) Com Deus.
É muito estranho, para um jornal com esse tipo de mentalidade, que algumas categorias sociais (e raciais) possam ter a audácia de querer algo mais do que um prato de comida e uma cama para descansar o esqueleto.
Política pública e social não é para qualquer um. Política para pobre, a verdadeira, a mais eficaz, é aquela que se baseia no poder do fuzil e no peso de tanques e “caveirões”. E nada mais. Se na pátria de Maduro tal iniciativa é abominada, aqui, ela é prontamente festejada pelo pasquim e seus companheiros de quadrilha midiática.
As ações militares que subjugam e impõem medo aos cidadãos são apresentadas como a reação necessária das forças de segurança contra os “inimigos” da paz, da cidade e dos cidadãos decentes.
Mas se olharmos com mais atenção, vamos perceber que, longe de incoerente, o pasquim faz uso de um argumento de uma lógica impecável, de uma coerência cartesiana: a democracia no mundo é perfeita, o que estraga é a droga do pobre! Tanto aqui como na Venezuela.
Leonardo Soares dos Santos é professor de História da UFF.
Nenhum comentário:
Postar um comentário