Por Daniel Medeiros
Há muito a escola perdeu o controle sobre essa prática fundamental para o diálogo humano. O silêncio é a condição básica para o ouvir. Não quer dizer que se me calo abro-me ao dizer do outro, mas se não me calo é certo que não escuto. Sem silêncio não é possível o próximo momento. Ouvir é outro estágio no qual a atenção e a capacidade de compreensão são aspectos fundamentais. Mas só ouvir já seria um passo e tanto.
Trabalho em escola e visito escolas. Sou professor e converso com professores. A grande reclamação é a atenção dos alunos. É a conversa. É a falta de silêncio.
Ouço também o que muitos especialistas dizem sobre “despertar o interesse” dos alunos. Sobre aulas “prazerosas”. Sobre trazer temas que sejam do contexto dos alunos e construir o conhecimento a partir dos fatos concretos e cotidianos. Não me oponho, por princípio, a qualquer coisa que contribua para o aprendizado. Mas se há o ofício do professor, por que não um estatuto mínimo para o aluno? É o que os antigos chamavam de “civilidade”. A civilidade é o comportamento básico para a civitas , a condição de cidadão. Percebam que a civilidade não tem nenhuma relação com obediência ou submissão. Assim, professores autoritários e incompetentes na sua função de contribuir para o aprendizado não podem exigir o que não oferecem. Não há um a priori na condição de professor: professor é o que contribui para o aprendizado da herança cultural e para a formação da herança futura. No entanto, a escola, por ser espaço público, lugar de cidadania, precisa de condições mínimas de estabelecimento das práticas de aprendizado. Independente se são interessantes ou prazerosas. Há coisas, como uma medicação para garantir a saúde, por exemplo, que dificilmente se enquadrariam nas categorias “interessante” e “prazerosa”, mas na categoria “necessária”.
Sempre defendi o exercício do silêncio atento e voltado para a compreensão como uma obrigação curricular. Todas as escolas, em todas as disciplinas, em todas as séries, mas principalmente no Fundamental 1, deveriam “ensinar” o silêncio e pratica-lo diariamente. Primeiro um minuto, depois dois minutos, depois três. Nesse silencio criado e aprendido, a voz ganha dimensão e suporte. O falar emerge como contraponto e define-se com mais nitidez e consistência.
Não há dúvida que , nesse aspecto, o “ o que falar” precisa ser melhorado. Um silêncio só deve ser quebrado por algo que lhe compense a perda. O silêncio é de ouro. Não se pode conspurca-lo com palavras de lixo. Desafio para gestores, pais, alunos e duplamente para professores: trabalhar o silêncio e polir suas palavras. Tudo nasce do verbo e não havia mundo antes dele. Criar mundos é, desde muito, a caracterização mais adequada para a profissão de professor. Faz-se mister realiza-la.
Fonte:Gazeta do Povo
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