Autor de ‘biografia’ sobre Jesus, Reza Aslan discute teologia, religião e cristianismo
Se você procurar por ‘most embarrasing interview’ (a entrevista mais vergonha-alheia, em tradução livre) no YouTube, vai se deparar com uma gravação do teólogo Reza Aslan sendo entrevistado na Fox News. A apresentadora do programa pergunta a ele, repetidamente, por que um muçulmano se interessaria no Cristianismo, ou em escrever um livro sobre Jesus. E ele, calmamente, afirma que é um acadêmico - logo, sua religião não interfere em seus estudos. A jornalista não parece satisfeita e, em vez de conversar sobre sua obra, o questiona de novo sobre sua escolha religiosa. Ao final da entrevista, ficam apenas questões do próprio espectador sobre o preconceito no canal e sobre a ideia que se faz da teologia enquanto ciência.
O assunto original da entrevista seria o livro Zelota, publicado recentemente no Brasil (Zahar, R$39,90), que conta a vida de Jesus de uma perspectiva histórica, passando longe da figura do Cristo milagroso que existe na bíblia. E que, justamente por apontar o homem comum em vez do filho de Deus, causou polêmica depois de sua publicação.
Conversamos com Aslan sobre Zelota, sobre o Jesus histórico e o conflito com a visão do filho de deus e também sobre a visão de teologia enquanto uma ciência legítima. Confira:
GALILEU: Quando você teve a ideia de começar a escrever uma biografia sobre Jesus?
Quando eu tinha 15 anos de idade eu fui para um retiro de jovens evangélicos. Lá, ouvi a mensagem do evangelho pela primeira vez. Eu me converti ao cristianismo e comecei a catequizar, a espalhar as palavras da Bíblia para todos os que eu conhecia. Alguns anos depois, quando entrei na universidade (uma instituição católica e jesuíta na Califórnia chamada Santa Clara) para começar meu estudo formal do Novo Testamento, descobri que muito do que eu achava que sabia sobre Jesus estava incompleto, quando não completamente errado. Encontrei um abismo entre o Jesus histórico, sobre o qual eu estava aprendendo na Universidade, e o Cristo da fé, para o qual eu havia sido apresentado na Igreja. E, francamente, descobri que o Jesus histórico era mais agradável e acessível. Essa experiência me levou a escrever o livro.
'Ninguém tem o direito de decidir a salvação de outra pessoa - nem mesmo a Igreja'
Você também diz que ler ‘Os irmãos Karamazov’, de Fiódor Dostoiévski, mudou sua vida e a forma com que você encara as religiões em geral. Por que?
A história do Grande Inquisidor, no coração do livro, serve para nos lembrar que existe uma grande diferença entre um profeta, como Jesus ou Maomé, e as instituições religiosas construídas pelo homem - seja o cristianismo ou o Islã - que foram fundados em seus nomes e que dizem falar sobre eles. Essa é a ideia central das minhas obras, incluindo a minha biografia sobre o Maomé histórico No god but God: The origins, evolution and future of Islam (sem edição no Brasil). Não podemos nunca esquecer que ninguém tem o direito de decidir a salvação de outra pessoa - nem mesmo a Igreja.
E em seu livro você fala sobre ‘espalhar as boas novas’ sobre esse Jesus histórico e não sobre o Jesus Cristo das religiões. Quais são essas boas novas? O que, no Jesus histórico, o torna tão digno de admiração - mais até do que alguém que pode realizar milagres?
O Jesus histórico não tinha acesso à educação. Era analfabeto, extremamente pobre, um camponês dos bosques da Galileia. E, apesar de tudo isso, formou um movimento forte pelos pobres, doentes e marginalizados. Um movimento tão ameaçador aos religiosos e políticos do período que fez com que ele fosse procurado, preso, torturado e executado por crimes de sedição (organização de rebeliões, incitamento das massas), o único crime pelo qual alguém poderia ser crucificado sob a lei romana. Só esses fatos, que são básicos, de sua vida, são suficientes para que valha a pena conhecê-lo, seguir seus preceitos, independentemente das teorias religiosas e teológicas que existem sobre ele.
Recentemente, o teólogo Joseph Atwill veio a público para falar sobre sua teoria de que a Bíblia teria sido escrita por romanos como uma estratégia política, para dar aos judeus um exemplo de um líder pacifista. O que você acha sobre o assunto?
Francamente, não conheço nenhum acadêmico que leve essa teoria a sério. As ‘descobertas’ dele têm vários sinais de serem forjadas. De qualquer forma, o fato é que o Jesus da história não era um simples pacifista que pregava a palavra de Deus, mas um líder revolucionário que desafiou o estado, não apenas ‘pregou’ para ele - e é por isso que o estado quis a sua morte. É verdade que gerações cristãs posteriores, tentando converter romanos, pacificaram seus ensinamentos revolucionários. Mas eles, de nenhuma forma, ‘inventaram’ Jesus.
'Quando você escreve sobre religião ou política, você acaba se acostumando com essas respostas inflamadas, até com as ameaças de morte'
É impossível não citar a sua entrevista na Fox News, que viralizou. Quais foram as consequências desse tipo de exposição? Em outras entrevistas você citou até ameaças de morte - como você lida com isso?
Quando você escreve sobre religião ou política, você acaba se acostumando com essas respostas inflamadas, até com as ameaças de morte. Isso não é novo para mim. Eu entendo que esses são assuntos emocionais para as pessoas, e é por isso que eu sempre trato esses tópicos e as pessoas com o respeito que eles merecem. E isso funciona. Ao contrário da percepção popular, eu até recebo vários emails de cristãos por semana me contando que meu livro fortaleceu a sua fé. Eles podem até achar que o homem sobre o qual eu escrevo é Deus, mas na obra é a primeira vez que eles encontram a sua humanidade e um retrato de sua época.
Um dos claros problemas da entrevista é que a apresentadora não parecia entender que pessoas estudam a religião como uma ciência, de forma independente de suas crenças religiosas. E isso é algo que vemos acontecer aqui pelo Brasil também. Na sua opinião, essa percepção sobre a teologia pode ser mudada?
Acho que o problema está nos próprios acadêmicos. Passamos muito tempo falando um com os outros, escondidos atrás de nossas torres de marfim, e não passamos muito tempo conversando com todo o resto do mundo. Até o momento em que passarmos a nos comprometer a colocar nossas vozes no ‘mercado de ideias’, até o momento em que encontrarmos uma forma de simplificar nossas ideias e torná-las mais acessíveis a uma audiência maior, ou popular - como sempre tentei em minha carreira - seremos sempre suspeitos.
Revista Galileu
Se você procurar por ‘most embarrasing interview’ (a entrevista mais vergonha-alheia, em tradução livre) no YouTube, vai se deparar com uma gravação do teólogo Reza Aslan sendo entrevistado na Fox News. A apresentadora do programa pergunta a ele, repetidamente, por que um muçulmano se interessaria no Cristianismo, ou em escrever um livro sobre Jesus. E ele, calmamente, afirma que é um acadêmico - logo, sua religião não interfere em seus estudos. A jornalista não parece satisfeita e, em vez de conversar sobre sua obra, o questiona de novo sobre sua escolha religiosa. Ao final da entrevista, ficam apenas questões do próprio espectador sobre o preconceito no canal e sobre a ideia que se faz da teologia enquanto ciência.
O assunto original da entrevista seria o livro Zelota, publicado recentemente no Brasil (Zahar, R$39,90), que conta a vida de Jesus de uma perspectiva histórica, passando longe da figura do Cristo milagroso que existe na bíblia. E que, justamente por apontar o homem comum em vez do filho de Deus, causou polêmica depois de sua publicação.
Conversamos com Aslan sobre Zelota, sobre o Jesus histórico e o conflito com a visão do filho de deus e também sobre a visão de teologia enquanto uma ciência legítima. Confira:
GALILEU: Quando você teve a ideia de começar a escrever uma biografia sobre Jesus?
Quando eu tinha 15 anos de idade eu fui para um retiro de jovens evangélicos. Lá, ouvi a mensagem do evangelho pela primeira vez. Eu me converti ao cristianismo e comecei a catequizar, a espalhar as palavras da Bíblia para todos os que eu conhecia. Alguns anos depois, quando entrei na universidade (uma instituição católica e jesuíta na Califórnia chamada Santa Clara) para começar meu estudo formal do Novo Testamento, descobri que muito do que eu achava que sabia sobre Jesus estava incompleto, quando não completamente errado. Encontrei um abismo entre o Jesus histórico, sobre o qual eu estava aprendendo na Universidade, e o Cristo da fé, para o qual eu havia sido apresentado na Igreja. E, francamente, descobri que o Jesus histórico era mais agradável e acessível. Essa experiência me levou a escrever o livro.
'Ninguém tem o direito de decidir a salvação de outra pessoa - nem mesmo a Igreja'
Você também diz que ler ‘Os irmãos Karamazov’, de Fiódor Dostoiévski, mudou sua vida e a forma com que você encara as religiões em geral. Por que?
A história do Grande Inquisidor, no coração do livro, serve para nos lembrar que existe uma grande diferença entre um profeta, como Jesus ou Maomé, e as instituições religiosas construídas pelo homem - seja o cristianismo ou o Islã - que foram fundados em seus nomes e que dizem falar sobre eles. Essa é a ideia central das minhas obras, incluindo a minha biografia sobre o Maomé histórico No god but God: The origins, evolution and future of Islam (sem edição no Brasil). Não podemos nunca esquecer que ninguém tem o direito de decidir a salvação de outra pessoa - nem mesmo a Igreja.
E em seu livro você fala sobre ‘espalhar as boas novas’ sobre esse Jesus histórico e não sobre o Jesus Cristo das religiões. Quais são essas boas novas? O que, no Jesus histórico, o torna tão digno de admiração - mais até do que alguém que pode realizar milagres?
O Jesus histórico não tinha acesso à educação. Era analfabeto, extremamente pobre, um camponês dos bosques da Galileia. E, apesar de tudo isso, formou um movimento forte pelos pobres, doentes e marginalizados. Um movimento tão ameaçador aos religiosos e políticos do período que fez com que ele fosse procurado, preso, torturado e executado por crimes de sedição (organização de rebeliões, incitamento das massas), o único crime pelo qual alguém poderia ser crucificado sob a lei romana. Só esses fatos, que são básicos, de sua vida, são suficientes para que valha a pena conhecê-lo, seguir seus preceitos, independentemente das teorias religiosas e teológicas que existem sobre ele.
Recentemente, o teólogo Joseph Atwill veio a público para falar sobre sua teoria de que a Bíblia teria sido escrita por romanos como uma estratégia política, para dar aos judeus um exemplo de um líder pacifista. O que você acha sobre o assunto?
Francamente, não conheço nenhum acadêmico que leve essa teoria a sério. As ‘descobertas’ dele têm vários sinais de serem forjadas. De qualquer forma, o fato é que o Jesus da história não era um simples pacifista que pregava a palavra de Deus, mas um líder revolucionário que desafiou o estado, não apenas ‘pregou’ para ele - e é por isso que o estado quis a sua morte. É verdade que gerações cristãs posteriores, tentando converter romanos, pacificaram seus ensinamentos revolucionários. Mas eles, de nenhuma forma, ‘inventaram’ Jesus.
'Quando você escreve sobre religião ou política, você acaba se acostumando com essas respostas inflamadas, até com as ameaças de morte'
É impossível não citar a sua entrevista na Fox News, que viralizou. Quais foram as consequências desse tipo de exposição? Em outras entrevistas você citou até ameaças de morte - como você lida com isso?
Quando você escreve sobre religião ou política, você acaba se acostumando com essas respostas inflamadas, até com as ameaças de morte. Isso não é novo para mim. Eu entendo que esses são assuntos emocionais para as pessoas, e é por isso que eu sempre trato esses tópicos e as pessoas com o respeito que eles merecem. E isso funciona. Ao contrário da percepção popular, eu até recebo vários emails de cristãos por semana me contando que meu livro fortaleceu a sua fé. Eles podem até achar que o homem sobre o qual eu escrevo é Deus, mas na obra é a primeira vez que eles encontram a sua humanidade e um retrato de sua época.
Um dos claros problemas da entrevista é que a apresentadora não parecia entender que pessoas estudam a religião como uma ciência, de forma independente de suas crenças religiosas. E isso é algo que vemos acontecer aqui pelo Brasil também. Na sua opinião, essa percepção sobre a teologia pode ser mudada?
Acho que o problema está nos próprios acadêmicos. Passamos muito tempo falando um com os outros, escondidos atrás de nossas torres de marfim, e não passamos muito tempo conversando com todo o resto do mundo. Até o momento em que passarmos a nos comprometer a colocar nossas vozes no ‘mercado de ideias’, até o momento em que encontrarmos uma forma de simplificar nossas ideias e torná-las mais acessíveis a uma audiência maior, ou popular - como sempre tentei em minha carreira - seremos sempre suspeitos.
Revista Galileu
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